Os parcelamentos irregulares e clandestinos fazem parte da realidade social e registral e representam hoje um dos maiores óbices à consecução dos direitos fundamentais à propriedade, à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Insuficientes vinham se mostrando as leis editadas para regularizá-los e combatê-los, o que forçou o legislador a buscar novos caminhos que pudessem superar dogmas até então irremovíveis.
Foi assim que, em 07 de julho de 2009, entrou em vigor a Lei n. 11.977/09, mais conhecida como a Lei Minha Casa Minha Vida , que, em seu Capítulo III, introduziu novo cenário na complexa questão da regularização fundiária.
Disposta a efetivamente regularizar os assentamentos irregulares, a Lei n. 11.977/09 teve em mira não apenas permitir o registro dos títulos no registro de imóveis, mas assegurar os preceitos Constitucionais da moradia, da função social da propriedade e do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
É o que anuncia seu art. 46:
A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Para alcançar seu intento inovador, trouxe diversos mecanismos de regularização, como a demarcação urbanística, que é o procedimento pelo qual o poder público demarca o imóvel, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses; a legitimação de posse, que é o ato destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse; e a conversão da legitimação de posse em propriedade, sem intervenção do Judiciário, após cinco anos de seu registro (artigos 47, III e IV e 60).
Autorizou, ainda, que a regularização recaia também sobre imóvel de domínio público (art. 47, III, VI e VII), que alcance a parte ou o todo de um ou mais imóveis, ainda que de proprietários distintos (56, § 5º e 288-G, da LRP), ampliou o rol de legitimados a promovê-la (art. 50) e permitiu a cisão da regularização (art. 51 § 3º e 57, §§ 8º e 10º).
Ocorre que, mesmo após a edição da Lei n. 11.977/09, alguns pontos da regularização fundiária ainda não estavam sanados e outros geravam dúvidas.
Para esclarecê-los, sobreveio a Lei n. 12.424/11 que, dentre outras alterações, revogou o inciso III, do art. 59, que limitava em 250m2 o tamanho da área de lote ou da fração ideal suscetível de legitimação de posse; permitiu a regularização também sobre áreas de preservação permanente (art. 54, § 1º); passou a prever expressamente que a legitimação de posse seja conferida ao titular de frações de cotas ou ideais, desde que exercido o direito em lote individualizado e identificado (art. 59, § 2º); dispensou a retificação do registro para a averbação do auto de demarcação urbanística e o registro do parcelamento decorrente de projeto de regularização fundiária (art. 213, § 11, IV); desobrigou o atendimento dos requisitos da Lei n. 6.766/79 para o registro do parcelamento de regularização fundiária (art. 65, parágrafo único); e conferiu ao Poder Público o poder de extinguir os contratos de concessão de uso especial para fins de moradia e de concessão de uso firmados anteriormente à intervenção da área a fim de viabilizar obras de urbanização em assentamentos irregulares (art. 71-A).
Sucede que as Normas de Serviço desta Corregedoria Geral de São Paulo - mormente na subseção intitulada Da Regularização de Loteamentos (itens 152/159, do Capítulo XX) - ainda não se encontram atualizadas a essa nova realidade, o que vem prejudicando a imediata regularização fundiária de assentamentos irregulares, tendo em vista a ausência de disciplina normativa que indique o caminho a ser seguido pelos diversos agentes que atuam na regularização fundiária.
Partindo dessas premissas inovadoras e da necessidade premente de unificar os procedimentos por meio dos quais os oficiais de registro de imóveis processarão as diversas hipóteses de regularização fundiária, é que foi apresentado trabalho para alteração da mencionada Normas de Serviço, o que culminou no Provimento 18, de 21 de junho de 2012.
Procurou-se assim extrair o máximo de efetividade da Lei n. 11.977/09 com o intuito de resolver a até então insolúvel questão dos assentamentos irregulares. Para tanto, preferiu-se a interpretação teleológica à literal.
Trata-se, portanto, de um primeiro passo na direção da solução dos problemas fundiários, buscando-se produzir mais acertos do que erros, podendo e devendo ser aprimorado sempre que assim se fizer necessário para se atender ao interesse público que permeia tanto a regularização fundiária de interesse social quanto a de interesse específico.